Para promover a mudança, é preciso apoiar os professores
By Camilla Croso

Eu me apaixonei pela educação e pelo conhecimento na escola, principalmente através da literatura. Ao estudar a arte das palavras, seu conteúdo e seus ritmos, a imaginação e os sentidos tiveram um impacto transformador na minha infância e no resto da minha vida. Tratava-se de uma experiência intelectual e estética que mexia profundamente com minha mente e meu coração. Tenho certeza de que isso jamais teria acontecido se não fosse pelo compromisso e pela paixão do meu professor, que cultivou em mim uma sede de questionamento, indagação e imaginação que continua parte de mim até hoje.
Em sua inspiradora obra “Pedagogia do Oprimido”, o acadêmico Paulo Freire escreveu: “Só existe saber na invenção, na reinvenção e na busca inquieta, impaciente, permanentemente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.” Acredito que isso sintetiza o poder transformador da educação. O verdadeiro aprendizado só é possível através do diálogo e do pensamento crítico. Isso tem amplas consequências para nossas sociedades, e os professores são os condutores desse processo.
Todos os dias nas salas de aula, os professores estimulam os alunos a explorar seu pleno potencial e cultivam a cidadania ativa. Ainda assim, seu papel é profundamente desvalorizado e desamparado. De fato, a profissão de ensinar enfrenta cada vez mais ameaças. De acordo com o Projeto de Monitoramento da Liberdade Acadêmica de 2019, tendências globais indicam que os professores estão sendo silenciados, censurados e até mesmo ameaçados com violência. Governos autoritários, como o do Brasil, atacam educadores e espaços de ensino para reprimir o pensamento independente, de acordo com um estudo de caso do Global Public Policy Institute sobre liberdade acadêmica no Brasil [PDF]. Frequentemente, os professores são intimidados a não falar sobre determinados assuntos, como gênero, mudanças climáticas e direitos humanos.
Devemos atentar aos riscos de os professores serem substituídos pela tecnologia digital, o que anula a própria essência dos processos pedagógicos, fundada no debate, na reflexão e na interação humana.
Também existe a questão da remuneração dos professores. Dados do Ministério da Educação Básica da África do Sul mostram altas taxas de deserção da profissão, e uma pesquisa internacional sobre ensino e aprendizado cita que 70% dos professores estão insatisfeitos com seus salários. A pesquisa revelou que, inclusive em vários países ricos, apenas 26% dos professores consideram que sua profissão é valorizada pela sociedade.
Nesse contexto, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a pandemia de COVID-19 desestabilizou o aprendizado em uma escala inédita desde a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, a crise mundial levou governos autoritários a limitarem ainda mais os direitos dos cidadãos e a reprimirem o debate.
Como podemos sair mais fortes desta crise? Como recém-nomeada diretora do Programa Educacional Open Society, tenho lutado com essa questão. Antes de mais nada, devemos reconhecer o papel e o valor dos professores como agentes fundamentais para garantir o direito à educação, incluí-los nas decisões e, ao mesmo tempo, proteger seus direitos trabalhistas. Devemos assegurar que o aprendizado centrado na memorização mecânica de informações e que o modelo bancário de educação, que enfraquecem o debate e o diálogo, sejam realidades do passado.
Enquanto instituição, também podemos atuar fora do sistema escolar para mudar perspectivas e prestigiar o trabalho dos professores, em um diálogo constante com alunos e com a sociedade como um todo. Nosso objetivo é explorar o potencial transformador da educação. Acreditamos estar aptos a conduzir essa transformação estrutural. O direito à educação vai muito além do acesso à educação. Também se trata do tipo de educação que as pessoas recebem: uma educação que incorpora e exerce a democracia e os direitos humanos, uma educação contextualizada e relevante que atende às necessidades das comunidades.
Este momento é uma oportunidade de apoiar e homenagear os professores. Como certa vez disse Paulo Freire: “Não existe educação neutra. A educação funciona como instrumento para trazer ou conformidade com o sistema ou liberdade.” Vamos escolher a segunda opção e honrar nossos professores, que são agentes de mudança imprescindíveis em todo o mundo.
5 de outubro é o Dia Mundial dos Professores.
Camilla Croso é diretora do Programa Educacional Open Society.