Skip to main content

Perguntas e respostas: O duradouro legado de Marielle Franco

Anielle Franco e outros em um carro alegórico em um desfile.
Anielle Franco durante uma festa de carnaval no Rio de Janeiro, Brasil, em 3 de abril de 2019. © Celso Pupo/Fotoarena/Newscom

Em 2018, Marielle Franco, ativista anticorrupção e primeira mulher gay de cor a ser eleita para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi assassinada em plena luz do dia e sob circunstâncias políticas suspeitas. Recentemente, Anielle Franco, consultora do Programa para a América Latina da Open Society Foundations, conversou com Gabriela Barros de Luca, do Programa de Saúde Pública da Open Society, sobre o legado de sua irmã.

Em que trabalhos você participa atualmente?

Estou trabalhando em um projeto que minha irmã e eu começamos em 2015 chamado Papo Franco. Durante a primeira campanha da Marielle para a Câmara Municipal, começamos a fazer mesas redondas com crianças e adolescentes nas escolas públicas mais carentes, com ONGs e com ativistas de base porque Marielle acreditava que os brasileiros não votariam em uma mulher negra da favela.

Após sua morte, sonhei com ela em seu aniversário, me pedindo para voltar ao trabalho. Papo Franco pode mudar vidas, especialmente para os adolescentes que vivem em bairros pobres do Brasil. Eles precisam aprender sobre a história da Marielle para que saibam que subir ao poder é difícil, mas possível. Eles precisam se sentir motivados para continuar a missão de Marielle e resistir às tentativas de enfraquecer e deslegitimar as causas pelas quais ela lutou, que eram maiores do que ela e permanecem muito vivas e mais importantes que nunca no Brasil de hoje.

O que a motiva? 

Estou determinada a inspirar uma nova geração de líderes, permitindo que outros com uma história semelhante à de Marielle saibam que são importantes e que devem aproveitar todas as oportunidades possíveis para levantar suas vozes. Eu acredito, e Marielle acreditava, que isso realmente pode criar mudanças.

A ideia de relançar Papo Franco após o assassinato da Marielle realmente surgiu de conversas com minha família, onde percebemos que tínhamos a responsabilidade de combater a desinformação e notícias imprecisas sobre quem era Marielle, a fim de preservar sua memória.

Seus críticos e detratores promoveram histórias após sua morte, e especialmente durante as eleições presidenciais do ano passado, que deturparam minha irmã e procuraram diminuí-la. Isso foi um segundo choque para a família. Primeiro, eles tiraram sua vida e, agora, querem tirar sua memória. Não podemos tolerar isso. Queríamos agir para que pudéssemos esclarecer as coisas e continuar a desenvolver o trabalho de Marielle para capacitar uma nova geração de Marielles.

Estou trabalhando para colocar o Papo Franco on-line e alcançar um público mais amplo de pessoas excluídas, marginalizadas, especialmente mulheres negras de favelas, e capacitá-las a se engajarem na defesa de causas – seja aumentando a conscientização de questões que lhes interessam para melhor compreender seu ambiente político local ou até se candidatando a um cargo público. A ideia é levar Papo Franco a muitos lugares, a outras favelas brasileiras fora do Rio de Janeiro e talvez até mesmo fora do Brasil, onde as pessoas nunca teriam conhecimento da história de Marielle Franco.

Como a sociedade civil pode ajudar a construir a próxima geração de Marielles?

 Primeiramente, temos que melhorar nosso sistema de educação. Hoje em dia, temos muitas Marielles no Brasil, mas se não melhorarmos nosso sistema educacional, e se não as ajudarmos a construir poder, elevar sua voz e fazer algo melhor com suas vidas, sua memória não sobreviverá por mais uma geração.

É por isso que estamos tentando preservar a memória coletiva sobre Marielle. Não apenas para que as pessoas saibam mais sobre sua história e seu trabalho na política, mas para manter seus projetos em andamento: aumentar a consciência dos problemas nas favelas, capacitar as mulheres negras das favelas, lutar contra o crime organizado e a corrupção. Ela realmente abordou os temas mais controversos e difíceis, onde racismo, corrupção e as milícias ligadas a políticos em cargos estão todos entrelaçados. 

Como você pretende continuar divulgando sobre Marielle e sua visão?

Neste verão, terei a oportunidade de levar essa conversa a duas faculdades e universidades historicamente negras nos Estados Unidos. Quero levar esta conversa do Brasil a um público americano para capacitar mulheres pobres e negras que normalmente não teriam acesso a tais informações. Ao mesmo tempo, também estou terminando um livro sobre a vida dr Marielle e nossa família, Cartas para Marielle, que esperamos lançar em julho.

Também passo muito tempo com o promotor público designado para o caso de Marielle. Embora tenham prendido os atiradores, ainda não encontraram quem deu as ordens para matá-la. Tenho dado muitas entrevistas, escrito muitos artigos e falado em muitos eventos. Tenho a sorte de ter me tornado uma consultora do Programa para a América Latina da Open Society Foundations desde o final do ano passado, com a missão de iniciar atividades e projetos para preservar e difundir a memória e o legado de Marielle Franco.

Isso também me ajudou a pensar e dar os primeiros passos para lançar o que agora é oficialmente chamado de Instituto Marielle Franco, uma organização sem fins lucrativos no Brasil que em breve se tornará o veículo para diversas atividades, incluindo a coordenação das conversas do Papo Franco.

Qual você acha que será o legado de sua irmã?

O que eu sei é que seu legado será enorme e algo maior do que é agora. Quatro mulheres negras foram eleitas para cargos públicos no Brasil após sua morte, incluindo três para a Assembléia Estadual do Rio. Não sei se posso medir seu legado. Há tantas mulheres negras, mulheres LGBT dizendo que Marielle as inspirou. Ela está entre as 10 pessoas mais influentes das favelas, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina (de acordo com uma pesquisa da ONU Mulheres realizada em fevereiro de 2019).

Ainda não sabemos exatamente por que ela foi assassinada, mas ela é um símbolo de poder e de nossas lutas no Brasil. Marielle esteve presente na intersecção de inúmeros movimentos importantes. Ela é um símbolo de resistência – não apenas para mulheres negras, mas para mulheres bissexuais, mulheres das favelas, mães jovens que trabalham em vários empregos para sustentar suas famílias, e muitas mais.

É difícil pensar em uma figura mais inspiradora do que minha irmã no Brasil neste momento. Seu rosto está em cartazes por todo o Brasil, o que às vezes é até problemático para nós na família. Seu rosto se tornou icônico e está em toda parte – pichações de rua, roupas de marca, calendários – em geral, com boas intenções, mas com a imagem sendo espalhada e usada de uma maneira que a família nem sempre acha positiva.

Há motivos para se ter esperança no futuro do Brasil?

É difícil ter esperança neste momento, mas temos que ter. Eu tenho uma filha, assim como a filha de minha irmã para cuidar, e não posso perder a esperança. 

No início do verão, fomos ao centro da cidade para protestar contra os cortes nos gastos com a educação. Horas antes do início da manifestação, as pessoas já tinham se reunido ali. Isso foi muito inspirador de ver, pois significa que as pessoas não desistiram de lutar por uma boa causa. Levamos muitos golpes, mas ainda continuamos lutando.

Não podemos deixar que o medo e o ódio nos impeçam de agir. Foi isso que Marielle nos ensinou, e o que eu tentarei transmitir através do Papo Franco. Mesmo quando a vida é difícil, precisamos manter os olhos no futuro. Não podemos nos dar ao luxo de perder tempo. Minha família sabe disso muito bem. 

Anielle Franco é consultora do Programa para a América Latina da Open Society.

Read more

Subscribe to updates about Open Society’s work around the world

By entering your email address and clicking “Submit,” you agree to receive updates from the Open Society Foundations about our work. To learn more about how we use and protect your personal data, please view our privacy policy.